O prémio Ana Maria Cunhal – 2023 – foi atribuído ao projeto “A música portuguesa a gostar dela própria” no passado domingo 17 de novembro.
Este prémio é um ato simbólico no sentido de recordar a responsabilidade ecológica, social, histórica e cultural dos diferentes atores do território. Um júri constituído por cinco elementos atribuiu unanimemente o primeiro lugar da primeira edição deste prémio ao Projeto “A Música Portuguesa a gostar dela própria”. Foram ainda atribuídas três menções honrosas a Etelvina Maria dos Santos, Lídia Freixa e Rita Salgueiro, que testemunham diferentes formas de resgatar a memória.
A sociedade Agrícola do Freixo do Meio, Lda., responsável pela Área Protegida Privada do Montado do Freixo do Meio, agradece a todos os que tornaram possível esta iniciativa.
Prémio: 1000 €
Menção honrosa: 250 €
Membros do júri:
Alfredo Cunhal Sendim (presidente);
Ana Luísa Janeira;
Francisco Rodriguez Casero;
Francisco Xavier Caudevilla Cunhal Sendim;
Paulo Magalhães;
Mário Fortes.
Candidatura vencedora:
“Vivemos num tempo acelerado, tudo é consumido e ultrapassado, a informação vem de todos os lados, consumimos e vemos cada vez mais depressa e andamos esquecidos de ouvir e de escutar. Pergunto-me muitas vezes a pensar o país, porque será que do Rio Tejo para baixo, no meio das conversas, para chamar a atenção do outro, dizemos; “escuta”, enquanto que do Rio Tejo para cima, dizemos; “olha”. É de facto uma boa pergunta. A verdade é que escutamos cada vez menos, seja no Norte ou no Sul. Há todo um tempo para trás, que com a revolução industrial se foi perdendo, as pessoas deixaram de trabalhar com animais, trocaram-nos por máquinas, deixaram de se encontrar ao serão, a televisão e a rádio invadiram as casas, depois a internet e os telemóveis fizeram o resto. A memória deixou de ser trabalhada, qualquer lapso de memória pode ser resolvido com uma consulta ao motor de busca mais próximo. A nossa vida é mediada por aparelhos. Poucos ainda se lembram de cantigas, provérbios e adivinhas de cor, e todos os que ainda se lembram, estão em vias de extinção. É o fim de uma Era, onde se trabalhava no campo e se cantava. Agora para se cantar, tem de se ter hora marcada, para se lembrar das letras, tem de se ser profissional, ir aos concursos de vozes, pôr maquilhagem, subir a um palco, estar afinado. Antigamente afinavam uns com os outros e se as vozes e os instrumentos não “ralhassem”, estava tudo bem. A Era da tradição oral, está a terminar, agora entramos na era da tradição digital. O que a música portuguesa a gostar dela própria vem fazendo, desde há quase dez anos, é documentar essa transição, que é lenta e complexa. Temos percorrido o país de Norte a Sul, à procura das pessoas que ainda cantam para si próprias, que utilizam a memória e a tradição oral para manter vivas práticas e saberes ancestrais. Por isso, gravamos tudo: canções, rezas, responsos, benzeduras, ofícios, saber fazer, danças, músicas, estórias de vida. Gostamos de dar voz a essas pessoas e de ser os seus mensageiros, muitas vezes puxando por elas, levando-as para outros lados, colocando-as nos jornais, na televisão, na rádio e fazendo com que nas suas comunidades elas sejam ouvidos, reforçando sempre as suas práticas pela positiva, permitindo que muitas vezes se lembrem ainda de mais coisas e deixem para trás aquela atitude peculiar de “eu não sei nada”, “aquilo que eu sei não tem valor”. Tem, tudo tem valor. Nós gostamos de dizer que gravamos as pessoas reais, tal como são, com o bom e o mau, damos-lhes esse espaço. Todxs somos especiais, todxs temos uma história para contar, todxs somos estrelas. É muito importante essa valorização, gravamos patrimónios humanos. É isso que nos interessa.” (Tiago Pereira, Diretor Artístico da MPAGDP) Vídeos que melhor nos apresentam: Vídeo 1: “O que é a Música Portuguesa a gostar dela própria” por Tiago Pereira: https:// vimeo.com/470587297 Vídeo 2: “O papel social da Música Portuguesa a gostar dela própria: responsabilidade social e combate ao idadismo” por Cristina Garcia: https://vimeo.com/509468023 Vídeo 3: Sobre a CURA, o novo espaço da Música Portuguesa a gostar dela própria: https:// vimeo.com/802727891 Site: https://amusicaportuguesaagostardelapropria.org/ Facebook: https://www.facebook.com/amusicaportuguesaagostardelapropria/ Instagram: https://www.instagram.com/mpagdp Curriculum Vitae 2011 Fundação da MPAGDP – Abril 2011 Protocolos municipais para gravação do património imaterial: De 2011 até à data presente 2012 Palco da MPAGDP no Festival Bons Sons em Tomar e desde então, em todas as edições do Festival 2015 – Início do Projeto “La música Ibérica querendo a sí misma” que hoje conta com mais de 280 vídeos gravados em Espanha – Série “o povo que ainda canta” na RTP com 26 episódios 2016 Edição e publicação do Livro “O povo que ainda canta” 2017 Início do programa diário na RTP Memória 2018 – Declaração de Utilidade Pública da Associação – Ópera multimédia “Cada velhinha que eu gravo é a minha avó que não morre” no Teatro Nacional D Maria II – Início do Projeto “A cozinha Portuguesa a gostar dela própria” – Projeto “Patrimónios sonoros marítimos” com gravações nos municípios parceiros e realização de espetáculos multimédia em cada um deles com a participação de pessoas da comunidade 2019 – Início do programa de 2ª a 6ª feira na Antena 2 – Projeto “A Música cigana a gostar dela própria” promovido pelo Alto Comissariado das Migrações e a Secretaria de Estado para a igualdade e as migrações. Desde então o projeto conta com mais de 300 vídeos de música cigana gravados, uma playlist publicada e um canal do YouTube com todos os vídeos – Projeto “O intendente é um lugar psicológico”. Foi realizado um filme e um espetáculo cine-documental apresentado no largo do Intendente, promovido pelo Largo Residências – Curadoria do Festival “Artes à Rua” em Évora – Em Março a MPAGDP viajou para São Tomé e Príncipe onde gravou música cantada em Português. Foi o início do projeto “A música de língua Portuguesa a gostar dela própria”. Um dos vídeos teve como protagonista ao São Tomense Gilberto Gil Umbelina. Vídeo no link: https://vimeo.com/326072413 2020 – “A música portuguesa, à janela, a gostar dela própria” projeto de utilidade pública, promovido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares que permitiu gravar pessoas à janela durante a pandemia como forma de combater a solidão e o isolamento – Edição dos postais musicais do centro com o apoio da EFAPEL – Prémio Maria José Nogueira Pinto pelo projeto “A música portuguesa, à janela, a gostar dela própria” http://vimeo.com/416909358 – Lançamento do projeto “A Música portuguesa a gravar-se a ela própria”. Durante a pandemia de covid19 a equipa da MPAGDP viu-se impossibilitada de gravar e por isso lançou o projeto “A música portuguesa a gravar-se a ela própria” lançando o desafio das pessoas se gravarem em casa a cantar/tocar e enviarem os vídeos para a MPAGDP a fim de serem integrados no projeto e divulgados. Em poucos dias foram recebidos centenas de vídeos enviados de todo o país. O resultado foram 118 vídeos publicados no arquivo da MPAGDP e redes sociais. 2021 – Projeto “A lezíria a gostar dela própria” promovido pela Comunidade Intermunicipal da Lezíria do Tejo – Filme sobre as memórias das Minas da Panasqueira “A mina é um ser vivo” sobre as memórias dos trabalhadores das minas – Residência artística da MPAGDP no Festival A estrada – “Ópera do Território” – projeto Assim somos nós promovido pelo Consórcio “Terras da chanfana” com apresentações em 4 concelhos da zona centro – Filme “Dispersos pelo centro”: A MPAGDP foi responsável pela Direção artística e produção executiva do filme documentário realizado por António Aleixo “Dispersos pelo centro”. As gravações decorreram em 4 municípios do centro, Lousã, Panela, Miranda do Corvo e Vila Nova de Poiares no mês de Junho. O filme estreou no Festival DocLisboa. Trailer do filme: ttps://vimeo.com/603762506 2022 – Realização e estreia do Filme “A música invisível” no Festival Política. Filme: https:// vimeo.com/701145901 – Quase Congresso de música Afetiva em Serpins – Construção do Centro Interpretativo da Música Portuguesa a gostar dela própria (CURA) em Serpins, fruto de uma candidatura aprovada à Operação Renovação de Aldeias. Vídeo sobre o espaço: http://vimeo.com/802727891 2023 – Inauguração da CURA em Serpins com programação cultural durante 3 dias que incluiu concertos grátis, um piquenique musical e uma parada com músicos vindos de vários pontos do país e músicos locais. – Lançamento do Coro da Cura que hoje conta com cerca de 40 elementos – Arranque do projeto “Digi-folk” onde a MPAGDP é parceira – Projeto Europeu “Iberian Music Enjoying Itself: a digital window into the oral traditions of the Iberian Peninsula” com parceiros da Grécia e Galegos para construção de uma aplicação da MPAGDP – Projeto “Alentejo terras com memória” promovido pela Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo. Foi gravado património imaterial de 13 aldeias do Baixo Alentejo e em cada uma dessas aldeias houve uma apresentação final com participação de pessoas da comunidade. A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPAGDP) é uma Associação sem fins lucrativos, criada em 2011 que tem como missão recolher, gravar e divulgar todo o património de tradição oral e memória coletiva existente no país. Canções, romances, contos, práticas sagradas e profanas, música, dança e também gastronomia têm sido os principais conteúdos gravados. À data da redação desta candidatura, conta com 7000 vídeos gravados por todo o país continental e insular. Todos estes registos podem ser visualizados no site da Associação (aqui), que é hoje um dos maiores arquivos audio-visuais de tradição oral e memória coletiva existente em Portugal. Em 2018 foi reconhecida com estatuto de utilidade pública pelo seu “contributo para a preservação das memórias coletivas dos portugueses”. Conta com o Alto Patrocínio da Presidência da República e já em 2020 foi reconhecida pelo seu interesse cultural. Para além de estarem disponíveis no site da Associação de forma gratuita, estes conteúdos, têm vindo a ser partilhados num programa na RTP Memória com o mesmo nome do projeto (de 2ª a 6ª feira, em 3 horários) e na Antena 2 em blocos de 5 minutos diários (de 2ª a 6ª feira). A equipa da MPAGDP composta por um Realizador e artista, Tiago Pereira e uma Assistente Social (Cristina Enes Garcia), faz o seu trabalho de recolha exaustiva, de norte a sul do país e ilhas, num trabalho muito próximo da comunidade com o objetivo de gravar o seu saber. Posteriormente, partilha conhecimento ao integrar no seu arquivo, disponível on-line, todos os vídeos recolhidos que são também difundidos nos meios de comunicação já referidos, chegando assim a milhares de pessoas. Todos os 18 distritos e ilhas estão representados no mapa da MPAGDP, havendo uma permanente tentativa de gravar mais, de chegar a mais pessoas e a mais lugares. É por isso também um trabalho que tem uma forte componente humana, relacional já que as pessoas que, voluntariamente participam nos vídeos e que partilham conhecimentos, memórias, são as “personagens” centrais do trabalho da MPAGDP. No arquivo da MPAGDP há muitos homens, mulheres que infelizmente já não estão entre nós, muitas práticas que integram o património imaterial Português, que entretanto desapareceram e que, graças ao trabalho da MPAGDP, estão registadas e documentadas. Mas o trabalho da MPAGDP não se fica por aqui. Ao longo do seu percurso são vários os projetos que tem desenvolvido, criando e integrando vários desafios, alguns, cujo nome integra o sufixo já registado e reconhecido “a gostar dela própria”. Em parceria com a Associação Pedexumbo criou a “A Dança Portuguesa A Gostar Dela Própria” que tem vindo a gravar coreografias tradicionais dançadas em Portugal, criando assim o primeiro mapa coreológico português. A convite de músicos e investigadores espanhóis, iniciou “A Música Ibérica A Gostar Dela Própria”, com o intuito de documentar a música dita tradicional de toda a península ibérica, tendo como ponto de partida a raia. Para além destes 3 projectos basilares, a associação lançou ainda “A Comida Portuguesa A Gostar Dela Própria”, que visa a gravação de receitas e outras histórias relacionadas com a gastronomia portuguesa. Em 2019, numa parceria com a Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações e o Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP) lançou o projeto “A música cigana a gostar dela própria”. Este, deu origem (para já) a 210 vídeos gravados em todo o país junto das comunidades ciganas e pretendeu dar a conhecer a riqueza e beleza da cultura cigana. Em 2020, como forma de reagir às limitações impostas pela pandemia de covid-19 a Associação lançou o projeto “A música portuguesa a gravar-se a ela própria” que convidou todos/as aqueles/as que quisessem participar a enviar vídeos gravados pelos/as próprios/as durante o período de isolamento. Foram centenas os vídeos recebidos e partilhados nos canais habituais. Ainda durante este período e, graças a um protocolo de utilidade pública com a câmara Municipal de Poiares, retomou o trabalho de gravações no terreno gravando idosos nas janelas de suas casas, nos quintais, com as devidas distâncias de segurança e com máscaras. Este projeto “A música portuguesa, à janela, a gostar dela própria” teve um grande impacto na comunidade. Os vídeos foram partilhados nas redes sociais, na antena 1 na antena 2. Os idosos, nos lugares onde fomos, ficaram muito felizes com a nossa visita e os familiares que viram mais tarde os vídeos e os registos fotográficos feitos, ficaram igualmente felizes por ver o seu pai, mãe, avó a cantar ou a partilhar algo que aprendeu na infância e que faz parte das suas memórias e da sua história. Uma forma de combater o isolamento e a solidão que foi reconhecida com o Prémio Maria José Nogueira Pinto (8ª edição) e que a Associação tem vindo a replicar noutros locais. Já em Março deste ano, a MPAGDP abriu a sua sede, CURA, em Serpins, na Lousã, que permitiu reabilitar um velho espaço comercial muito acarinhado pela população, a “Casa Cortez” resultado de uma candidatura aprovada à Operação Renovação de aldeias. Este espaço permitiu dar vida a uma casa cheia de memórias, funcionando como um espaço de cultura, aberto a todos, onde é possível conhecer de perto o trabalho da associação. No fundo, um dos grande objetivos deste espaço é centralizar as gravações num local, criando sinergias com outros, tendo para isso protocolos com vários Municípios de norte a sul do país que permitem manter a sua atividade: continuar a imortalizar o património imaterial Português e simultaneamente, a dar voz e palco aos mais velhos. Já em Serpins, a MPAGDP tem dinamizado várias iniciativas. Sob o lema “Serpins uma janela para o Mundo”, tem convidado músicos profissionais, amadores a virem a Serpins e a serem gravados em diferentes locais da Vila. Criou também uma revista, a “Serpins magazine”, cuja primeira edição foi lançada no início de Fevereiro de 2022 e que conta com a participação de várias pessoas que de alguma forma estiveram envolvidas com o projeto. De salientar que na CURA funciona já um coro, semanal. De forma totalmente inesperada, o coro reúne todas as semanas cerca de 30/40 pessoas de várias idades, a maior parte sem qualquer experiência ou formação musical. Vêm sobretudo para estar e conviver.”