Somos um, queiramos ou não.
Temos talvez mais uma oportunidade para interiorizar a frase da Ruthe Kuhn, com a situação em que todos acordamos, “somos mais e mais independentes na medida em que entendemos a nossa dependência de todos e de tudo o que nos rodeia”.
Na comunidade do Montado do Freixo do Meio tentamos viver intensa e profundamente as diferentes dimensões do desafio.
Para começar, a dimensão dos de maior risco entre nós. Após serem identificados os cooperantes de risco elevado (saúde, idade, proximidade de pessoas de risco), criamos condições para que possam permanecer em segurança, em quarentena em casa, com o salário assegurado.
Numa organização com mais de 35 cooperantes colaboradores a operar num espaço limitado, sem testes (gratidão à Maria Mota) não conseguimos de outra forma salvaguardar a vida dos nossos colegas.
Determinar a dimensão da resiliência da nossa organização ou seja da capacidade de continuarmos a trabalhar. Porque entendemos que o risco grande é infectarmo-nos uns aos outros sem sabermos, fizemos um pacto de confiança entre nós: cada um avalia o seu risco pessoal através de um auto-questionário que determina uma cor correspondente ao risco. A cor de cada um é comunicada diariamente pelo próprio na reunião das 8h: verde são mais de 14 dias sem risco, amarelo, entre 14 e 5 dias sem risco, vermelho, risco alto a menos de 5 dias. Hoje somos 24 verdes, 5 amarelos e 7 vermelhos.
Estabelecemos normas de conduta no trabalho entre cores bem como um plano detalhado de possíveis substituições. Entendemos a responsabilidade de cada um na capacidade da nossa cooperativa, e Confiamos (enquanto não chegam os testes).
A importância da dimensão da dependência do ecossistema. Só estamos a tentar fazer alguma coisa útil nesta situação porque somos responsáveis por um ecossistema, ou seja por uma herdade com um modelo agrícola que produz comida através de um verdadeiro sistema natural, bastante autónomo. Como elementos do sistema temos noção do risco de o infectarmos. Estamos a falar de uma zoonose e o ecossistema de que dependemos tem muitos animais domésticos e selvagens. No plano que implementamos no dia 12 de Março tentamos a todo o custo proteger o ecossistema de pessoas e outros factores de risco.
Atender à dimensão do nosso Programa CSA Partilhar as Colheitas com cinco anos e 150 famílias activas. Percebemos melhor do que nunca que tudo o resto desaparece num “gesto só”. Ou seja, só a confiança conquistada ao longo destes anos nos permite estar hoje a trabalhar com esperança. Imaginamos também que para os nossos co-produtores, a participação no CSA possa ser útil neste enorme desafio. Sem ecossistema não fazemos nada, mas sem vocês, co-produtores, também nada fazemos.
Como primeira medida do plano de contenção, no campo da protecção genérica da nossa cooperativa, (sendo esta a dimensão transversal a todas as outras), estabelecemos como prioridade a continuidade do CSA – diminuindo as outras vendas e canalizando a totalidade da produção planeada para os próximos seis meses para o programa CSA Partilhar as Colheitas.
Temos noção da dificuldade de, em condições tão precárias, ultrapassar a nossa condição de sobrevivência individual, mas o desafio é por ventura mesmo esse, o de nos superarmos e o de sermos mais do que apenas temos sido.
Um por todos, todos por um. Saúde.
Alfredo Cunhal Sendim