Para mim os sistemas agroflorestais são ecossistemas com inclusão permanente do homem, das árvores, das plantas primárias, dos animais, bem como de todos os outros seres dos diferentes reinos, que ali possam desempenhar as funções requeridas por este, de forma a que evolua e permita no seu último estádio de clímax (abundância), no fundo a utilização dos excedentes do sistema sem condicionar a sua dinâmica natural.
Vivo há trinta anos num sistema Agroflorestal chamado Montado que, apesar de bastante condicionado por práticas inadequadas de gestão ecológica e de, porventura, se encontrar longe do seu potencial natural máximo, é certamente o nosso melhor ponto de partida. Evidenciando, de forma clara, a bondade da conjugação de árvores com animais e culturas agrícolas, em oposição aos sistemas de obtenção de alimentos onde a árvore não está presente. A árvore assume assim, um papel central nesta reconstrução da narrativa.
Os sistemas, tanto ancestrais como os mais inovadores, que se desenvolvem sobre uma estrutura estratificada de árvores – principalmente aqueles que o fazem de uma forma dinâmica respeitando a sucessão natural das espécies -, geram comprovadamente mais emprego, mais excedentes, mais rendimento, mais bem estar das populações, mais coesão social, mais saúde, mais biodiversidade, mais solo, mais eficiência, melhor clima, mais sequestro de carbono, mas principalmente mais felicidade para aqueles que se integram neles.
Esta realidade foi apresentada e trabalhada de forma inequívoca no 4º World Congress on Agroforestry, em Montpellier, em que tive a grata oportunidade de participar.
Na Herdade do Freixo do Meio a minha relação com as árvores, esse ser mágico que enraizado no chão nos aponta o céu, tem evoluído ao longo do tempo.
Há mais de uma década que, através das inspirações da Permacultura e da Agroecologia, passamos a olhar para as árvores como um somatório de funções indispensáveis aos ecossistemas (fotossíntese, sombra, regulação da água e do vento, habitat, matéria orgânica, CO2, solo, biodiversidade, temperatura…) o que me permitiu deixar de considerar a árvore apenas um objecto vivo da paisagem.
Mas afinal o que é uma árvore?
Uma árvore é apenas o elemento central do projecto da vida que, entre muitas outras coisas, permite que possamos chamar casa a grande parte do território do planeta Terra. As árvores são os seres que estão pensados para produzir matéria orgânica de uma forma eficiente através da única verdadeira fonte de energia: o sol. A árvore é o motor do projecto natural sento o resto dos seres, simplificando, ferramentas do sistema. Basear o nosso sistema alimentar em plantas primárias [espécies hortícolas e leguminosas] ou em animais é tão absurdo como pensarmos em fazer uma viagem e, em vez de usar uma bicicleta, pretendermos deslocar-nos apenas sobre uma chave inglesa.
Mas, acima de tudo, a árvore é cada vez mais um exemplo. Um exemplo de bondade e de frugalidade. De discrição e de pacifismo como tão bem nos evidencia Francis Hallé. Uma árvore apenas necessita de água, luz, suporte no solo, alguns minerais e de uma comunidade viva para produzir e entregar generosamente ao sistema quase tudo o que ele necessita. Não reclama. Não guarda. Não destrói. Não compete. Coopera todo o dia, evolui e complexifica-se ambicionando apenas ser “prima entre pares”, ou seja, a melhor.
A árvore aceita o sistema e serve-o.
Mesmo que não aceitemos que o nosso papel aqui deva ser semelhante ao da árvore, respeitar quem desenvolve tão nobre carácter devia ser evidente. Infelizmente, a narrativa em que nasci foi perdendo, em grande medida, esse olhar.
Perto de minha casa, na Herdade do Freixo do Meio, existe um Zambujeiro com mais de 2.000 anos. O genoma desta espécie Olea Europea foi identificado recentemente em Espanha. São 56.000 genes, mais do dobro do genoma humano. Como vamos interpretar a teoria de que quanto maior o genoma mais evoluído é o ser?
Mas o porquê, o essencial da Agrofloresta, passa pelo renascer da narrativa original. Da narrativa em que nós somos apenas outro tipo de árvores no sentido em que somos apenas órgãos de um organismo superior que devemos servir em vez de apenas usar. Tanto as agroflorestas comestíveis ainda existentes em todo o mundo, como as criadas recentemente por mestres como Ernst Götsh, demostram isso mesmo. Quando nos integramos no sistema apenas com a ambição de o entender para o servir, o sistema responde de forma generosa através do aumento dos excedentes. A Agrofloresta e a árvore, em particular, podem ser vectores essenciais para a mudança de paradigma necessária à continuação da evolução da nossa espécie.
A Agrofloresta é, assim, caminho para a construção de novos modelos sociais estruturados em questões como a obtenção e distribuição de alimento ou o uso do território e o valor do mesmo. Mas, o verdadeiro sentido deste modelo passa pela experiência individual de uma atitude diferente. Entendendo que a nossa relação com a “vida” do Planeta não pode ser determinada por nós. Poderá a terra, o solo, continuar a ser tratado como um mero activo?
Deverá o alimento continuar a ser apenas mais um produto de mercado? Será a Agricultura apenas aquela maravilha que nos libertou da miséria do nomadismo e nos permitiu desenvolver as grandes Nações? Faz sentido olhar para a produção agrícola como a única forma sócio-produtiva de nos alimentarmos? Não passará o futuro por espaços agroflorestais de recolecção conectados a uma comunidade humana especifica?
O que diria a arvore?
Recebam um abraço amigo e até breve,
Alfredo Cunhal Sendim